Pessoas 40+: corpo, carreira e tecnologia

Larissa Pessoa
7 min readAug 30, 2021
Na imagem, duas mulheres negras estão sentadas de frente para a outra e olhando para um notebook. Uma das mulheres está digitando e a outra segurando um óculos de grau com a mão perto da boca enquanto olha para o notebook.
imagem: ygb.black

Olá, sou Larissa, publicitária, diretora de arte, designer de produto, e há 3 meses resolvi aprender (e me aventurar) mais na área de UX research (na prática). Assim, comecei um estudo pessoal sobre o tema "envelhecer" e suas relações: corpo, carreira e tecnologia.

De início, fiz uma pesquisa quantitativa com o tema “Mulheres Designers 40+” (porque é a comunidade que me encontro). Aí no decorrer do meu estudo, vi que a abordagem para a pesquisa qualitativa, não poderia envolver apenas “Mulheres 40+”, vi que era necessário falar sobre “Pessoas 40+”. Pensar além do binarismo mulher/homem, e sim num contexto mais diverso.

E para compartilhar este estudo com a comunidade, resolvi dividir em uma série de textos com suas fases (introdução, pesquisa quantitativa, pesquisa qualitativa, etc).

E para começar, segue este texto como introdução ao estudo.

Por que falar disso tudo?

Fazendo um recorte no meu cenário profissional, vejo muita gente fazendo transição de carreira, projetos de mentoria para ajudar neste processo, incentivo para contratação de júniores, artigos abordando o “apagão” de profissionais em TI, e em paralelo algumas vagas afirmativas surgindo para pessoas 40+ ou 50+. E pra fechar o combo, o estereótipo do envelhecer e sua invisibilidade social.

Falar de tudo isso é necessário, porque além de ser individual, o impacto é coletivo. E desde já, digo que o design pode sim ser um instrumento político, além de função, estratégia e persuasão.

Então, qual sua idade?

Para muitas mulheres essa não é uma pergunta tão confortável de ser respondida, e às vezes é evitada.

A culpa não é da mulher.

As mulheres são as mais cobradas no quesito de ter que estar sempre jovem, bonita, arrumada, pronta, atualizada, disposta e plena.

Fotografia do busto de uma mulher negra em 3 poses diferentes lado a lado. Na primeira ela está séria. Na segunda ela está sorrindo. E na terceira ela está sorrindo com os olhos fechados. A mulher tem o cabelo preto com alguns poucos fios brancos no estilo black power. Usa um batom escuro, brincos dourados e um vestido na cor bege. O fundo é uma parede na cor marrom.
imagem: ygb.black

A invisibilidade

Envelhecer é algo natural e está acontecendo a cada segundo em que você está lendo este texto. Mas fugimos desse tema. Evitamos falar, a mídia e a publicidade disfarçam, e nem a gente consegue entender bem essa “invisibilidade social” que nosso corpo vai adquirindo com o passar dos anos.

O ageísmo ou etarismo é caracterizado pelo preconceito a pessoas ou a grupos etários com base em estereótipos relacionados à idade. E pode impactar negativamente no dia a dia dessas pessoas.

imagem com uma frase escrita: A melhor forma de se vingar de um etarista? Desejar-lhe vida longa. @eucrisguerra
Cris Guerra

Outro ponto importante sobre o envelhecimento é que as pessoas não envelhecem igual. Vários fatores atuam nessa realidade da tal “invisibilidade social”, como: gênero, raça, classe social, regionalidade, cultura, entre outros.

Esses fatores que muitas vezes se relacionam, podem dar ou não acesso a uma melhor qualidade de vida. Se hoje muita gente consegue viver mais, é resultado de estudos e investimentos na ciência e na tecnologia que possibilitou aumentar a expectativa de vida.

Mas a expectativa e realidade são bem diferentes.

Uma ilustração de linha do tempo, marcando o início com texto escrito "nascimento" e no final da linha "100 anos ou mais". O fundo na cor cinza escuro e um título na cor laranja "expectativa de vida" e na cor branca "Brasil 2021".
imagem ilustrativa: expectativa de vida — Brasil 2021
Uma ilustração de linha do tempo, marcando o início com texto escrito “nascimento” e depois outras marcações na linha "10 anos", "35 anos" e no final da linha “100 anos ou mais”. O fundo na cor cinza escuro e um título na cor laranja “realidade de vida” e na cor branca “Brasil 2021”.
imagem ilustrativa: realidade de vida — Brasil 2021

No Brasil, o país que tem altas taxas de feminicídio, de casos de “bala perdida”, de transfobia, essa expectativa de vida vai diminuindo para cada realidade. O envelhecer é um reflexo de tudo isso.

Quando pensamos na expectativa x realidade, levando em consideração às opressões sociais, percebemos que muita gente tem o processo de envelhecer interrompido muito cedo. Essa realidade de vida que também interfere nas de educação e oportunidades na carreira.

No livro A invenção de uma bela velhice, a antropóloga Mirian Goldenberg, faz uma reflexão sobre as realidade do envelhecimento para homens e mulheres. E como há divergências nas inseguranças, nos prazeres, nos medos, etc. Segundo sua pesquisa:

O discurso dos homens é pautado pela busca de significado com uma atividade que lhes dê tesão. O discurso da mulher é focado na liberdade de “ser eu mesma”.

Desde 2005, Mirian vem realizando uma pesquisa sobre “Corpo, envelhecimento e felicidade”, e para isso aplicou questionários para 1.700 mulheres e homens moradores da cidade do Rio de Janeiro, e também realizou grupos de discussão sobre o tema. Buscando aprofundar alguns aspectos na pesquisa, fez entrevistas de profundidade, já que algumas perguntas tinham uma esfera mais íntima.

E para as mulheres, há um ponto de clímax na sua jornada (para mais detalhes recomendo o livro da Mirian). E um trecho da leitura que marca muito essa virada na vida da mulher é:

A “melhor idade” é aquela em que, finalmente, as mulheres conseguem ser mais livres.

Uma ilustração de 2 linhas do tempo. Na primeira tem texto escrito “homens” e a linha tem pequena inclinação e alguns pontos de interrogação. Na segunda linha tem texto "mulheres" e a inclinação da linha é bem maior  e com muitos pontos de interrogação. O fundo na cor cinza escuro e um título na cor laranja “reflexões sobre” e na cor branca “envelhecimento”.
imagem ilustrativa: reflexões sobre o envelhecimento para homens e mulheres

O que percebi nesta leitura foi uma maior abordagem sobre diferenças no envelhecer abordando pessoas cisgênero e heterossexual.

E como falei, envelhecer não é igual pra todo mundo. Na comunidade LGBTQIA+ os cenários também mudam.

“Na terceira idade, o gay volta para o armário para sobreviver”

Samantha Flores — 84 anos

Fonte: El País — A ativista transexual Samantha Flores

Essa frase da Samantha, reflete sobre a invisibilidade ao envelhecer, mas também é marcada por uma jornada longa, que começa ainda na juventude da comunidade LGBTQIA+.

Segundo ela, os heterossexuais idosos são esquecidos e abandonados, mas os LGBTQIA+ idosos são simplesmente invisíveis.

Conseguir mudar seu nome de registro para seu nome social feminino, foi uma das conquistas recentes de Samantha.

Pensar na estética dos corpos e sua invisibilidade social sob a ótica de temas sociais é necessário. Essas relações caracterizam nossos comportamentos em sociedade e suas formas de opressão.

As gerações

Pensar no envelhecer e suas interações com a tecnologia também é um ponto de atenção neste estudo.

Como designer de produto, percebo que ainda deixamos de lado este público 50+ quando pensamos em acessibilidade e entrega de valor. Ir além de apenas “ajudar” uma pessoa mais velha a usar um aplicativo, mas criar o produto já englobando esta faixa etária.

Já como publicitária, vejo que algumas empresas estão começando, ainda timidamente, trazer este público como ponto focal das suas campanhas, sem fazer tanta distinção de idade/produto.

Uma recente campanha que é um ótimo exemplo de interação com o público 60+ é da Loft e agência CUBOCC. (eu amei essa propaganda, hahahaha)

Campanha da Loft

Hoje, pensar em criar produtos e serviços sem relacionar comportamento x tecnologia é quase impossível, e assim trago algumas informações sobre a classificação de gerações no Brasil:

Geração Baby Boomers: nascidos entre 1940 e 1960 (atualmente com 60 a 80 anos)

Geração X: nascidos entre 1960 e 1980 (atualmente com 40 a 60 anos)

Geração Y (millennials): nascidos entre 1980 e 1995 (atualmente com 25 a 40 anos)

Geração Z: nascidos entre 1995 e 2010 (atualmente com 10 a 25 anos)

Geração Alpha: nascidos a partir de 2010 (atualmente com até 10 anos)

Fonte: Camila Casarotto

Entender essa classificação baseada nas interações com a tecnologia, é perceber o impacto que esta tem nos nossos comportamentos, e como isso muda aceleradamente com o tempo. E ainda mais, respeitar as gerações anteriores, porque podem até ser menos tecnológicas, mas têm um conhecimento que não pode ser apagado.

A presença forte das gerações anteriores às gerações Y e Z, marca um ponto importante da economia, hoje chamada de economia prateada, que envolve todas as atividades econômicas e necessidades de consumo (produtos e serviços) relacionadas às pessoas com mais de 50 anos.

Fotografia do  Festival de Cannes, em primeiro plano a atriz Helen Mirren(76 anos) de perfil, usando um vestido amarelo e cabelo preso, totalmente branco. No fundo, as atrizes Andie MacDowell(63 anos), com cabelos soltos grisalhos e cacheados, usando um vestido prata. Ao seu lado a atriz Jodie Foster(58 anos), usando um vestido branco, cabelos soltos, loiros e com alguns fios brancos com menos destaque.
Atrizes 50+ no Festival de Cannes 2021. Foto: Divulgação/ Getty Images

As necessidades de consumo das pessoas com mais de 50 anos são reais, apesar de muitas vezes não serem mostradas na mídia. Assim, os produtos e serviços também precisam estar alinhados a essas necessidades de um público que movimenta grande parte da economia, e em breve será quase 30% da população no Brasil.

Segundo Layla Vallias, co-fundadora da agência de marketing e consultoria Hype60+:

“A geração 60+ vai mais que dobrar daqui a 20 anos. No Brasil, por exemplo, teremos 30% da população com mais de 60 anos em 2050, e já temos mais avós do que netos em alguns estados, ou seja, mais pessoas acima dos 60 anos do que adolescentes até 14.”

Então…

Esse estudo é só o início de uma grande jornada, pois falar de envelhecimento é algo ainda assustador pra gente. Pouco abordado, mas está no cotidiano de todos, inclusive dos jovens.

O ideal é que a gente não espere chegar aos 50 pra começar a falar disso.

Sugiro que nós, designers de produto e serviços, possamos falar mais sobre essa diversidade de gerações nas nossas reuniões, nas rodas de conversas com amigos e família e com o próprio espelho.

Próximos passos

Fase 1: pesquisa quantitativa

(confira os resultados da pesquisa aqui)

Obrigada. ;)

--

--