Serra da Capivara: dados, tecnologia e comunicação na pré-história

Larissa Pessoa
7 min readAug 1, 2023

Este foi o destino que escolhi visitar e desbravar nas minhas férias: o sertão piauiense (minha terra natal).

Saindo de São Paulo, peguei um voo para Teresina-PI para passar um tempo com minha família, antes de seguir viagem para o sertão. Dias depois, fui para a cidade de São Raimundo Nonato-PI, onde fiquei hospedada (em torno de 10 horas de viagem de ônibus).

Mesmo sendo piauiense, eu ainda não havia conhecido esta região, mas sempre tive vontade de conhecer. E deu tudo certo! Foram 5 dias de aventura.

O parque e seus encantamentos

O Parque Nacional da Serra da Capivara está localizado no sudeste do Piauí e abrange alguns municípios como Brejo do Piauí, Coronel José Dias, João Costa e São Raimundo Nonato, com um área de 100.764,19 ha e cerca de 204 sítios arqueológicos. Foi incluído na Lista de Patrimônio Mundial Cultural da Unesco em 1991 e reconhecido como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo IPHAN em 1993.

Mapa dos Circuitos do Boqueirão da Pedro Furada, do Sítio do Meio e do Baixão das Mulheres — Folheto impresso disponibilizado pela FUMDHAM

Durante minha viagem, pude visitar o Parque Nacional da Serra da Capivara, o Museu do Homem Americano e o recente Museu da Natureza. E quero compartilhar com vocês o que pude conhecer. Vamos lá?

Pinturas Rupestres Serra Branca - Parque Nacional da Serra da Capivara (foto: Larissa Pessoa)

O registro que pretendo compartilhar nesse “textão” é com o olhar curioso de uma visitante comunicóloga, designer, pesquisadora e artista plástica, com base no que vi, ouvi e pude experimentar durante os passeios.

Exposição no Museu do Homem Americano na Serra da Capivara (foto: Larissa Pessoa)

Voltar ao passado (precisamente há mais de 100.000 anos) é impressionante! E não por meta suposição, mas por base em dados. Dados? Esse termo muito comum hoje em dia para nós que trabalhamos com Tecnologia chega a chamar atenção. Mas faz a gente sair da nossa bolha e entender a importância da combinação de dados para comprovar as evidências e teorias, independente do período da humanidade.

Durante um longo período, a teoria mais aceita (da década de 50) era a de que os primeiros homens chegaram ao continente americano há 15.000 anos, pela América do Norte, vindo da Sibéria, atravessando o estreito de Bering. Avançando pela América Central, até chegar à América do Sul, por volta de 11.000 anos.

Mas nas últimas décadas, novas evidências foram coletadas no nordeste brasileiro, com dados mais antigos e relevantes. E desde já, é importante citar que esses novos dados surgiram graças à arqueóloga brasileira Niède Guidon e sua equipe.

E os dados?

De acordo com as pesquisas feitas no Parque da Serra da Capivara (Piauí), começando pela década de 60 até os dias atuais, comprovam uma nova teoria: o avanço dos homens na América, começou pela América do Sul, no Nordeste Brasileiro, há mais de 58.000 anos (até onde a técnica do Carbono 14 pôde datar os vestígios de carvão das fogueiras encontrados perto das pinturas rupestres).

Parque da Serra da Capivara (foto: Larissa Pessoa)

As pesquisas e documentação dos achados são importantes para conhecer a nossa história, tido como período pré-histórico. Não há muitas certezas sobre o real significado das imagens representadas nas pinturas feitas de óxido de ferro, mas é possível perceber algumas repetições de desenhos, de grafismos, de narrativas, e assim, atribuir aos períodos e aos agrupamentos dos povos. É possível percebermos estilos que se definem as tradições “agreste" e “nordeste", que se diferenciam pelas regiões dos estados do Nordeste (Piauí, Pernambuco, João Pessoa) e por suas narrativas. Mas também podemos perceber os traços diferenciados da Serra da Capivara, Serra Branca, Serra Vermelha e Serra Talhada (os desenhos preenchidos e em outros casos vazados e com grafismos mais estruturados).

Serra da Capivara - pintura com preenchimento totaI (foto: Larissa Pessoa)
Serra Branca - pintura com grafismos mais detalhados e vazados (foto: Larissa Pessoa)

Diante de algumas incertezas sobre os achados, os pesquisadores combinam os dados para entender melhor o passado. Em lugares onde foram encontradas pinturas rupestres, foram achados vestígios de carvão de fogueiras, ferramentas, cerâmicas, entre outros. E é a combinação das informações que possibilitam contar melhor a história do que aconteceu em cada sítio arqueológico.

Parque da Serra da Capivara (foto: Larissa Pessoa)

Ver as pinturas rupestres de pertinho me causou uma certa euforia e curiosidade. Pude presenciar mais conteúdo do que eu já havia visto em livros de história da arte ou em qualquer outro material. A experiência é uma das melhores formas de conhecimento e estar presente dentro deste espaço é acessar uma riqueza de conteúdo.

É importante ressaltar também que as visitas ao parque só são possíveis com a presença de guias credenciados. Porque além de conduzir o passeio, também garante o cuidado com o parque que é um patrimônio dos nossos povos.

O guia que me acompanhou no passeio é o historiador Denilson Castro

A pintura que despertou a minha atenção

A repetição de elementos que parecem uma “cambalhota” ou uma sequência de passos de dança, me lembram o movimento de frames que a gente vê hoje no cinema, mas tudo em um único plano.

Essa foi uma comparação que consegui fazer no momento de observação, mas não temos como saber o real significado da imagem. E isso é o grande mistério para nossa geração atual, não podemos dizer ao certo, mas apenas fazer suposição sobre as temáticas que muitas vezes se repetem: dança, caça, animais, figuras humanas, divindades?

Mas fica aqui a provocação.

Pintura rupeste - Parque da Serra da Capivara. Cidade de São Raimundo Nonato - PI (foto: Larissa Pessoa)

Assim como toda cultura, os elementos visuais, sonoros, gestuais possuem algum código de comunicação, mas no caso do contexto pré-histórico, não temos referências e certezas dos significados, e acredito que isso também traga um valor especial e intrigante para nós que usamos inteligência artificial para problemas complexos na atualidade, mas ainda não é possível desvendar alguns mistérios da antiguidade.

A tecnologia da época

Os pigmentos usados para fazer as pinturas nas pedras tinham como base em diferentes materiais como óxido de ferro e outros minerais, terra, argila, sangue de animal, carvão vegetal. E dependendo da superfície que eram pintadas, algumas resistiram mais aos efeitos do clima e do tempo.

O fogo, também teve sua participação especial, já que perto das pinturas, haviam fogueiras que, possivelmente, ajudaram nos processos de criação das pinturas e gravuras nas pedras, iluminando e aquecendo aqueles espaços.

As ferramentas usadas na época, foram encontradas nas escavações dos sítios e hoje estão expostas no Museu do Homem Americano. Assim como um ornamento encontrado e datado há mais de 8.000 anos, que provavelmente era usado para fins cerimoniais.

Colar feito de sementes feito há mais de 8.000 anos — Museu do Homem Americano (foto: Larissa Pessoa)
Museu do Homem Americano — Piauí (foto: Larissa Pessoa)

O mar virou sertão

A Caatinga é um bioma exclusivamente brasileiro. Não há outro lugar do mundo com essas características. E não foi assim sempre. No período da pré-história, a região do Nordeste brasileiro era mais parecido com o clima da Mata Atlântica. E o que vemos hoje nas estruturas rochosas, era mar.

Há milhares de anos, a região da América e todo o planeta Terra, passaram por muitas mudanças climáticas, que interferiu no solo, na vegetação e na fauna. O clima também foi e é responsável pelas migrações populacionais para outros territórios. E aqui não foi diferente.

Aqui já foi mar (foto: Larissa Pessoa)

A beleza desse lugar me fascinou de longe, e ao chegar perto das rochas e ver a textura, é ainda mais belo! E podemos entender como a estrutura desse lugar que já foi mar, quando o nível do mar era mais alto nessa região, manteve a formação das pedras.

Depois da trilha (foto: Larissa Pessoa)
Imagem feita no Museu da Natureza — Piauí (foto: Larissa Pessoa)

Um outro passeio que vale a pena fazer é o Museu da Natureza, que foi inaugurado em 2018. Com exposições sobre o clima e reflexões sobre a nossa atuação no futuro da humanidade.

E por fim, gostaria de falar também sobre a Acessibilidade de alguns pontos do Parque Nacional da Serra da Capivara em parceria com a FUMDHAM (Fundação Museu do Homem Americano) que equipa, preserva e mantém os espaços de visitação, onde 17 pontos possuem rampas de acesso que atendem ao padrão de acessibilidade exigido.

Espaço de visitação com acessibilidade em 17
pontos do parque (foto: Larissa Pessoa)

E tudo isso é só é possível por causa da pesquisa, coragem e respeito ao conhecimento.

Obrigada, Niède Guidon!

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